29 de janeiro de 2007

A Palavra não dita

A palavra que é senão uma reacção do homem, um balbuciar sonoro em jeito de comunicação, um grito de ajuda numa emergente situação de aflição. A palavra é um ser que habita no meio de nós, um ser que tomamos nos braços todos os dias e, no entanto, um objecto invisível aos olhos da realidade que não a querem ver.
A palavra uma vez proferida repetida vezes pode ser banalizada ao ponto de se tornar em mera linguagem corrente, em mera comunicação mundana efervescente de perguntas, respostas ou afirmações que acabam, consequentemente, em discursos irreflectidos e inconsequentes. Neste prisma a palavra assume um papel secundário dado que o que realmente importa é a comunicação humana e a passagem de uma determinada mensagem com uma determinada intencionalidade.
Contudo, existe um outro lado da palavra pouco explorado por parte dos seres pensantes e racionais que habitam a sociedade civil. Refiro-me à palavra enquanto personagem principal da sociedade, enquanto ser que, de certa forma nasce, cresce, vive e morre. A Palavra deve ser pensada como uma reacção a um estímulo sobre o qual o próprio ser humano não tem controlo. A palavra é uma presença que nos acompanha sempre a partir do momento que temos consciência dela própria. Uma vez valorizada a palavra enquanto tal todo o discurso proferido, escrito ou pensado terá uma importância e um valor superior. Porque? Porque uma vez percepcionada a importância da palavra, todo o discurso terá uma maior dimensão de significações, isto é, todas as palavras acarretarão uma multiplicidade de significações que irão deliciar o pensamento enigmático do próprio ser que as profere. Todavia, o consequente pensamento enigmático conduzirá a um estado de interiorização e reflexão relativo à significação real da palavra. Esta busca do verdadeiro sentido vai, porém, sugestionar o aparecimento de significações até então não percepcionadas, confundindo assim a reflexão assertiva do ser pensante. Ainda que problemática, este de tipo de reflexão só suscitará o pensamento humano para uma busca viciante de uma verdade suprema e finita, verdade essa que se torna um pouco impossível de concretizar. Mas, é essa procura de uma verdade universal que conduzirá à descoberta de uma vastidão de significações nunca antes desvendadas e que sempre nos remetem para novas palavras. Na verdade o que é a reflexão senão, nada mais do que palavras? O que é pensar senão juntar palavras, construir frases em silêncio. E o que é o silêncio senão um estado fulcral para o nascimento da palavra?

Silêncio e palavra coadunam-se e geram sensações e estados sensitivos. Podemos então dizer que por detrás do silêncio existe toda uma linguagem, todo um conjunto de palavras – ditas e não ditas – que se entrelaçam e formam sentidos aos quais damos o nome de reflexão. Pensar as palavras com palavras é uma difícil busca do ser mas, não deixa de ser uma procura do nosso verdadeiro íntimo, uma procura de uma definição para algo que não conseguimos definir.
É neste sentido que surge todo o mundo poético que irradia a arte de bem explorar a palavra não dita. A palavra verdadeira subjacente a muitas palavras fictícias adornadas de falsidade e ilusão. A poesia requer um trabalho intenso de busca, de procura da palavra real ofuscada pelas não-palavras, aquelas que nada significam aos olhos dos que conseguem ver e que muito confundem os olhos dos cegos racionais que pensam sem pensar.

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